A Fundação Maynard

 

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Prólogo

Maxxuel Lowe já estava velho demais para certas coisas e para a maioria das outras faltava ânimo. Já era quase 22h quando conseguiu tirar os olhos do computador e da pilha de papéis ao seu lado. Não havia mais ninguém na sua sala do escritório, apenas as cinco mesas vazias e o barulho irritante dos estabilizadores ainda ligados. A gerência dizia que eles deviam ser desligados todos os dias, mas alguém fazia? Não, tinha que ficar para o Lowe fazer, afinal ele sempre saía por último. "Quando eu ficar até mais tarde, desligo pra você, amigo", diziam quando Maxxuel ia reclamar com eles.

Ah, os mais jovens... não sabem a importância de uma palavra dada. Não estão acostumados a serem cobrados pela sua honra, pelos costumes, pela história de sua família, ou pelos documentos que assinamos com a voz. Não conheceram a Velha Escola. Nos tempos antigos a palavra de um homem tinha poder, era compromisso. Em 50 anos de advocacia, Lowe tinha conhecido poucos que poderiam assinar dessa forma. Gente de caráter inquestionável, que iam até as últimas consequências pela palavra dada, ou por seus ideais. Representá-los sempre foi um problema. Nunca aceitavam os jogos jurídicos. Se estavam errados, pagavam, não aceitando nem a ir a juízo, o justo era o justo e fim, mas se estavam corretos...

Lowe abre a maleta e pega o telegrama novamente. Rod estava morto. Não podia acreditar. Prometeu a si mesmo que não deixaria isso atrapalhar o seu trabalho para com os outros clientes hoje, mas não conseguia. Tudo o fazia lembrar do velho Rod. O último membro da Velha Escola que conhecia.

Levantou-se e foi pegar um copo d'água. Ia acendendo algumas luzes enquanto passava, o que não impedia em nada a persistência da penumbra do entorno. O escritório era grande, com várias salas, todas devidamente decoradas e apresentáveis, com suas paredes de vidro e persianas. Nas portas, os nomes de seus ocupantes em dourado, alguns deles desconhecidos quando entraram na Agência, mas que logo alcançaram a fama, outros já então renomados, que só aumentaram suas contas bancárias com o tempo.

No início daquilo tudo, Lowe fora um dos sócios fundadores, mas por motivos pessoais abandonou a sociedade. Voltou há alguns anos a convite a integrar o corpo de advogados, mas agora só como funcionário… fora uma exigência sua. Não queria mais saber de aborrecimentos gerenciais, apenas do seu salário no fim do mês. Diferente dos seus colegas de empresa, não possuía mais ambição, não queria ser conhecido ou viajar o mundo nas férias. Já tinha realizado tudo que desejava e apanhado mais do que devia. Teve o seu momento intenso, de puro ativismo e aventuras, tempos junto com Rod. Mas até isso ficou para trás. Sabia que era um sentimento de auto-comiseração, mas o que podia fazer?, era o que sentia… e infernos, era viciante.

A pequena cozinha ficava próxima a entrada e quando chegou lá a sede já estava insuportável. Encheu o copo plástico e bebeu devagar a água gelada do purificador para evitar a dor nas têmporas e a sensibilidade de alguns dentes, quando ouviu...

"Dentista, filho da puta".

Lowe soltou o copo na pia e olhou para trás asssutado. Além de parte do hall de entrada, da cozinha e do caminho feito por ele, nada mais estava visível.

"Quem está aí?", perguntou para as sombras, saindo da cozinha.

Então, dessa vez ouviu: "Será que Marquito da limpeza voltou ao escritório? Ou…"

Lowe começou a correr para sua sala. Já tinha visto o bastante nesta vida para saber quando fugir. Refez o caminho o mais depressa que pôde sem olhar para trás. Sabia que a porta de saída estava perdida. A voz esganiçada vinha de lá e além do mais era o caminho mais óbvio. O importante agora era ser imprevisível, só assim teria chance.

Bateu a porta atrás de si e pôs-se a revirar sua gaveta, até que ouviu do lado de fora: "Merda, estava aqui na gaveta da direita". As persianas estavam abertas e _seja-lá-quem-for_ estava evitava-as, ficando exatamente atrás da porta. "Por quê? Não faz sentido. Eu estou calmo e quieto há anos", disse ele.

"Para com isso, seu merda!", gritou Lowe arrancando as gavetas. "Por quê mandaram você? Nós tínhamos um acordo. Fiquei em silêncio, não me envolvi mais." As mãos dele estavam frenéticas, afastando pastas e abrindo pequenas caixas que caíam no chão.

"Ele deve ter matado o Rod", cantarolou _seja-lá-quem-for_ do lado de fora.

"Para de repetir meus pensamentos!", gritou Lowe se levantando e olhando ao redor sem se lembrar onde tinha guardado…

"Porquinho", disse rindo _seja-lá-quem-for_ do lado de fora, batendo o cano do revólver de Lowe na vidraça, "toc-toc". A mão era deformada, suja e com dedos faltando.

"Não pode ser", disse Lowe se afastando da porta, "não tinha como saber. Vocês só podem ler pensamentos superficiais".

"A menos que ele seja um dos…?", começou a dizer _seja-lá-quem-for_ do lado de fora, então Lowe compreendeu e sentiu o estômago gelar. Percebeu tarde demais o que estava acontecendo. _Seja-lá-quem-for_ não estava ali para simplesmente matá-lo, veio até ali por algo mais precioso. Vinha pelas suas lembranças. Mas não estava tudo perdido, se fosse rápido o suficiente, poderia ainda salvar o segredo que lhe fora confiado há tantos anos. Pegou o relatório em cima da mesa, no qual tinha trabalhado a tarde inteira, e passou a relê-lo item por item em voz alta, enquanto botava para tocar uma música barulhenta no computador e digitava alguns comandos.

Do lado de fora, _seja-lá-quem-for_ passou a esmurrar a porta desesperadamente e a gritar algo, já ciente de que sua vítima estava pondo algo em prática.

Lowe foi até o pequeno bar da sala e pegou Vodka, e outras bebidas que nunca foram abertas de tão caras, as mais baratas espatifou no chão. O jeito mais simples era pular pela janela, mas havia dois contratempos nisso. O primeiro era que poderia sobreviver tempo suficiente à queda de oito andares para ter a mente lida. O segundo era que, para onde ia, a forma como se partia importava muito.

Tiros tentavam espatifar as vidraças grossas e a última coisa que Lowe viu foi a forma intumescida e negra de _seja-lá-o-que-for_ olhando com ódio para ele antes de riscar o fósforo.

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