Filhos da Revolução

 

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Prólogo

Eu vou te achar, ele havia prometido antes de sumir na escuridão.

Ela ainda o esperava. Continuaria a esperar - até o fim dos tempos.

 

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A revolução havia tomado conta das ruas inglesas. Os ônibus estavam em constantes chamas; o parlamento se mantinha em pé por uma barra fina de madeira que estava prestes a cair. O caos era o melhor amigo da população - principalmente de Louise e sua família. Seus pais eram jornalistas e sempre foram de total esquerda, fazendo parte da massa que berrava na porta do Palácio de Westminster. Louise e seu irmão, Isaac - que cresceu em meio à revolução -, nunca haviam visto uma Inglaterra em paz. De acordo com seus pais, a paz havia sido perdida em meio à uma democracia fajuta e uma monarquia parlamentar ditadora.

Aos dezessete anos, Louise havia aprendido a conviver com o constante medo, com as imprevisíveis mudanças de esconderijo e a falta de comida. Isaac, com seus meros doze anos de idade, já portava canivetes suíços e sprays de pimenta quando saia do esconderijo na busca por alimento, acompanhado sempre do pai. Enquanto isso, a mãe e Louise se mantinham seguras e invisíveis. Não era fácil, mas à noite, quando eles se reuniam para um jantar que consistia em basicamente feijão enlatado e água, era como se não houvessem bombas do lado de fora da janela, prédios caindo e uma polícia com as armas de fogo pesadas atrás deles.

Porém, não foi possível fugir por muito tempo. A tecnologia da polícia britânica havia melhorado muito com os anos; eles eram capazes de rastrear até a mais mera formiga. Com a família de Louise não fora diferente.

Seus pais haviam sido capturados, porém ela e Isaac conseguiram escapar. Seriam os próximos - e ela sabia disso. Era seu dever protegê-lo, salvá-lo, custasse o que fosse. Todas as noites, Louise dormia sabendo como deveria reagir caso algo acontecesse; Isaac mantinha o canivete à postos em mãos enquanto a mãe o cobria com um lençol velho e empoeirado. Eles sobreviveriam - pelo menos era o que esperavam.

 

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Nunca havia visto nada daquele tipo. Ninguém falava sobre o que acontecia do lado de fora da grande mansão, mas Ethan sabia que a revolução havia se espalhado e que a cada dia que passava, o poder que seu pai, Primeiro Ministro da Inglaterra, tinha em mãos, se esvaia cada vez mais. Como areia, escorrendo pelos dedos. Ele se sentia impotente, não podendo ajudá-lo. Porém, toda vez que se aproximava da porta de seu escritório, sua mãe o afastava de lá. Talvez fosse pior do que ele havia imaginado.

Nunca havia ido para a escola, então, não sentia muita falta do mundo e do ar fresco; mas ainda assim era infernal. As conversas baixas pelos cantos, os seguranças que se triplicavam na velocidade da luz, os empregados que andavam apressados e de cabeça baixa. Era como se um respirar muito profundo fosse capaz de derrubar toda a Inglaterra.

Ethan subia para o terraço quando ficava muito ruim lá dentro. O ar frio de qualquer estação afastava os pensamentos ruins e as sensações de agonia que o consumiam noite e dia. Do alto, Londres parecia uma cidade inofensiva, mas ele sabia que os monstros estavam ali, escondidos em meio à população. Mal ele sabia que os reais monstros estavam embaixo de seus próprios pés.

 

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Capítulo 1

Louise colocou as roupas que sua mãe havia a deixado e prendeu o cabelo em um rabo de cavalo alto. A franja comprida cobrindo parcialmente os olhos e a identidade falsa no bolso.

- Isaac, você sabe o que fazer não é? - Ela perguntou, checando se não estava usando nada diferente demais.

- Sim. Fechar a porta quando você sair, trancá-la sem fazer barulho e ficar em silêncio até ouvir você bater. - Ele respondeu, sério. Ela pensava o quanto aquela revolução fez ele crescer em tão pouco tempo. Ele teve de aprender a ser um homem quando mal havia deixado de ser uma criança.

- Isso mesmo. Eu volto com comida e alguns remédios extras em uma hora. - Ela disse, saindo do quarto e fechando a porta silenciosamente atrás de si.

Cabeça erguida porém pés leves; sem medo, calma. Era assim que Louise andava pelos corredores do hotel abandonado, encontrando rapidamente a saída e se misturando à população nas calçadas logo em seguida. Ela sabia se misturar como ninguém - seu pai mesmo dizia isso.

Ela precisava comprar mais feijão enlatado e alguns remédios que haviam acabado. Foi até um mercado que sabia que existia ali próximo. Compraria o que precisasse, pagaria em dinheiro vivo - como sua mãe a havia ensinado - e sairia com o mesmo marchar respeitoso de sempre. Voltaria para o hotel e teriam uma noite tranquila. No dia seguinte, ela voltaria à busca incessante. Um grupo de refugiados, uma passeata onde pudesse encontrar alguém que soubesse do paradeiro de seus pais. Se haviam morrido, se estavam presos ou em outro país; precisava de respostas. Era isso o que Louise fazia: procurava por seus pais e mantinha Isaac vivo. Não se envolvia em nenhuma passeata ou protesto - sabia que o melhor que poderia acontecer em qualquer um desses casos era ser presa. Tudo o que Louise iria fazer era se manter longe de problemas até que tudo isso acabasse e o Parlamento fosse extinto e todos estivessem em paz novamente.

Apenas por isso ela acreditava em Deus. Pois a haviam dito que se você acreditasse Nele, milagres aconteceriam - e só um milagre poderia conceder Louise esse desejo.

 

#

 

Ethan dedilhava notas soltas no violão enquanto assistia ao dia passar pela janela de seu quarto. Apenas uma empregada havia aparecido, lhe trazendo o almoço sem dizer uma palavra. Estava imaginando meios de sair da mansão e ir até a casa de seu amigo Phillip. Sentia falta de ir à Londres, ver seus colegas, andar de skate e fazer música. Haviam semanas que ele não escrevia nada - e isso era preocupante.

Pensara em sair pela cozinha mas sabia que os motoristas e seguranças ficavam nos fundos do imenso jardim durante o tempo livre. Sair pela porta da frente seria suicídio; a quantidade de seguranças de tamanhos descomunais era de dar medo à qualquer um. A janela de seu quarto era muito alta; a do quarto de seus pais, inalcansável. Talvez a única saída fosse pelo terraço. Ele sabia que havia uma escada de incêndio que dava no lado da piscina, que era deserto e tinha acesso fácil à civilização, mas não tinha certeza se ela ainda existia e se estaria intacta aos anos. Não lhe custaria tentar, imaginou.

Em silêncio, caminhou calmamente pelos corredores. Sua mãe sempre dissera que ele deveria ser ator; sabia interpretar quem quisesse para conseguir algo. Desde alguém com fortes dores de barriga para não ter aulas em casa até alguém com sérias dúvidas em Matemática que não poderiam esperar até o dia seguinte para poder ir à casa de Phillip. Mesmo com inúmeros pares de olhos sobre ele, Ethan ainda era convincente. Chegou ao terraço em segundos, sem que ninguém o olhasse duas vezes nos corredores largos.

Viu a escada que descia pela parede direita da casa. Sabia que haviam pelo menos três janelas ali, todas da cozinha, o que significava que pessoas poderiam vê-lo. Teria de correr o risco. Respirou fundo, engoliu em seco e começou a descer. O ferro estava enferrujado mas parecia firme. Continuou a descer, tentando dividir o peso entre seus braços e pernas para não sobrecarregar a velharia. Conseguiu passar da primeira janela sem ser pego, mas quando chegou próximo à segunda, notou a empregada de mais cedo conversando animadamente com um segurança. Prendeu a respiração, se mantendo estático.

Ele precisava descer. Não iria ficar esperando que os dois continuassem corredor abaixo pois sabia que isso poderia não acontecer. Teria de correr o risco de ser visto. Só precisava ser rápido.

E assim foi. Ele desceu feito um jato o que lhe sobrara de escada. O ferro rangia mas ele continuara. Não ouviu exclamações de nenhum funcionário pela janela, nem sentiu olhares sobre si. Chegou à parte externa da casa, e caminhou por entre as pedras que beiravam a piscina em direção a cerca que separava a enorme propriedade de sua família do resto das casas antigas e abandonadas. Chegou à cerca; são e salvo. A atravessou, sentindo a adrenalina correr-lhe pelas veias. Era uma sensação estranha, mas ele gostava dela. Limpou as mãos na calça Jeans velha, e seguiu rua acima em direção ao ponto de ônibus.

Sabia que se chegasse de mãos vazias na casa de Phillip, os pais dele suspeitariam. Amigos de faculdade de seus pais e parceiros nas campanhas políticas de Benjamin, os pais de Phillip eram muito observadores e saberiam que havia algo de errado se Ethan simplesmente aparecesse por lá. Passaria em alguma loja de roupa e compraria alguma blusa de moletom que parecesse com algo que Phillip usaria; diria que ele havia esquecido em sua casa algum dia nas semanas passadas. Checou os bolsos da calça, sentindo a carteira no bolso de trás. Suspirou pesadamente e encaixou as mãos na camisa e continuou a caminhar; cabeça erguida, passos firmes.

 

#

 

Louise procurava por mais alguma coisa nos corredores do mercado. Era tudo aquilo que ela compraria. Feijões enlatados, sardinha, dois pacotes de salgadinho grandes, alguns engradados de água, band-aids e alguns sprays contra a dor. Passaria pelo caixa tranquilamente; esperava.

Assim que começou a entregar suas mercadorias para a mulher do caixa, sentiu um olhar pesado sobre si. Não sabia de onde vinha; se da mulher à sua frente, ou do cliente que se mantinha estático atrás dela. Se sentia pressionada, mas tinha de manter a calma. Entregou o engradado de água e olhou séria para a funcionária, que tinha um sorriso calmo no rosto, mas os olhos tentavam transmitir algo diferente de calmaria. Muito diferente. Ela encaixou suas mercadorias nas sacolas e entregou o dinheiro certo para a mulher e saiu andando. Não queria troco, nem nota fiscal; apenas sair dali.

Não ouviu ninguém gritar para um segurança, nem sentiu passos rápidos atrás de si. Ela era boa ouvinte, sabia que se algo estivesse realmente errado, aquele não seria o som que ela ouviria. continuou calçada abaixo até alguém, tão apressado quanto ela, derrubar suas sacolas.

- Olhe por onde anda! - Ela disse, irritada. Estava nervosa; não poderia ser pega justo agora. Em uma saída tão boba do esconderijo, algo que poderia ser inofensivo.

- Desculpa. - O garoto respondeu, educado. Ele agachou no concreto, colocando as mercadorias de volta nas sacolas, sem dizer mais uma palavra, sem levantar os olhos para ela.

Ela sentiu algo no estômago, mas não soube dizer o que era. Ajoelhou ao lado dele, ajudando-o. Porém, quando a sua mão tocou a dele, rapidamente, sentiu que havia feito a coisa errada. Ele levantou os olhos para ela. Olhos castanhos, antes cobertos por um cabelo encaracolado desgrenhado. Um sorriso diferente em seus lábios, uma respiração que descompassou por alguns segundos.

Justo ele, ela pensou.

Justo o filho do Primeiro Ministro a ajudaria com as compras. Justo a família que era culpada por tudo o que eles estavam passando. Justo eles entrariam no seu caminho.

- Desculpe novamente. - Ele disse, levantando e estendendo a mão para ajudá-la a sair da calçada.

Ela não aceitou. Se levantou sozinha, segurando as sacolas firmemente. Tentou manter a voz calma, mas sabia que ela sairia tão trêmula quanto seu corpo estava. Apenas acenou com a cabeça e voltou o olhar para o farol. Tinha de correr se quisesse pegá-lo aberto. Não olhou para o garoto, apenas acelerou o passo, atravessando a rua enquanto o homenzinho verde sumia.

Ele ficou a assistindo de longe; analisando os detalhes de seu corpo, que se movia com a maior calma possível, mesmo com a aparente pressa. Por que ela havia corrido dele? Deus, estava ele ficando louco? Tanto tempo preso dentro de uma casa teria de ter algum tipo de consequência. Só não sabia que seria assustar garotas bonitas na rua. 

Por mais que quisesse esquecer o acontecido, enquanto andava pelas ruas até a casa de Phillip, o casaco comprado no corpo, tudo o que conseguia pensar era em como ela era bonita. Os cabelos ruivos, a franja cobrindo parcialmente os olhos verdes, as bochechas rosadas contrastando com a pele branca feito neve, as sardas cobrindo perfeitamente seu nariz.

Se isso tivesse acontecido semanas atrás, Ethan não teria a deixado correr daquela maneira. Teria pego seu telefone, teriam saído juntos, teria ficado com ela. Talvez por mais de uma semana, talvez não. Mas com toda a certeza não teria a feito fugir.

Chegou na casa de Phillip, tirando o casaco e amassando-o nas mãos antes de tocar a campainha. A porta branca se abriu apenas segundos depois.

- Ethan! - A mãe de Phillip aparecera na porta, um sorriso carinhoso no rosto. - Que surpresa agradável! Como está?

- Estou bem. - Ele respondera. - Phillip está aí?

- Claro! Entre, querido. - Ela afastara mais a porta para que Ethan pudesse entrar na sala de estar aconchegante e moderna. A casa de fora parecia mais uma da classe média alta londrina, porém ao se entrar, era possível ver que a classe era bem mais que alta por ali. - Aceita um chá?

- Pode ser. - Ele sorriu, sentando-se no sofá.

- Phillip, Ethan está aqui! - Ela disse alto ao pé da escada antes de sumir na cozinha imensa.

Segundos depois, Phillip já estava descendo animado as escadas.

- E ai, cara? - Ele cumprimentou Ethan com um abraço. - Mãe, a gente tá subindo.

A mulher não teve tempo de responder, quando chegara na sala, os dois já haviam sumido. Estavam, novamente, trancados no quarto, rindo alto e jogando video-game.

- Então você fugiu? - Phillip perguntou enquanto Ethan se jogava na cama.

- Aham. - Ele respondeu. - Acho que nem notaram que eu sumi.

- Com a quantidade de pessoas naquela casa? Duvido. - Phillip retrucou.

Eles ficaram em silêncio por alguns segundos.

- Phill? - Ethan chamou pelo amigo, que se encontrava deitado no chão do quarto, brincando com algo velho.

- Que? - Ele respondeu.

- O que será que está acontecendo? - Ethan questionou.

- Não sei, Ethan. - O amigo respondeu. - Eu realmente não sei.

 

#

 

Louise bateu na porta do hotel uma vez, deu uma pausa longa e então bateu três vezes bem rápido. Era esse seu toque especial. Sua família havia combinado este toque logo que tiveram de sair de casa. Isaac abriu a porta, se escondendo atrás da mesma, como ela havia o ensinado a fazer.

- Cheguei. - Ela disse, entrando e trancando a porta atrás de si.

- Estou vendo um pacote de salgadinho? - Isaac perguntou, sorrindo abertamente.

- Está sim. - Ela riu enquanto ele a abraçava fortemente. - Mas preste atenção, esse pacote tem que durar pelo menos uma semana. Então nada de atacar, viu, monstrinho?

- Pode deixar! - Ele disse, subindo as escadas, abrindo os braços e fazendo o barulho de um avião.

Ela sorria. Era bom vê-lo agir como uma criança as vezes; por mais que sua infância tivesse sido consumida pela revolução. Subiu as escadas atrás do irmão, entrando no quarto que haviam feito deles.

- Ei, Zac, você lembra do nome do filho do Primeiro Ministro? - Ela perguntou, tentando deixar o assunto o mais casual possível.

- Acho que era Ethan… - Ele respondeu, pegando as sacolas e colocando a comida nos armários.

- Hm… - Ela murmurou. Combinava com ele, o nome.

- Por que? - Zac perguntou, fechando os armários e deitando na cama.

- Acho que ele trombou comigo hoje. - Ela disse, se sentando ao lado do irmão. Eles eram melhores amigos, irmãos, confidentes. Ele era toda a família que ela tinha.

- Ah Deus! - Zac exclamou. - Será que ele sabe quem nós somos?

- Eu acho que não. - Ela respondeu. - Na verdade, Zac, eu acho que ele nem sabe nada.

- Como assim, Lou? - Ele questionou. - É impossível que ele não faça ideia do caos aqui fora.

- Ele parecia calmo e foi como se ele olhasse através de mim e não visse nada. - Ela disse, olhando para o teto e se jogando ao lado do irmão.

- Será que ele está sendo enganado como todo mundo? - Zac perguntou.

- Acho que sim. - Ela disse, a voz vaga.

Eles ficaram em silêncio por alguns segundos.

- O que está pensando? - Ele perguntou.

- Ele parecia perdido. - Ela disse. - Sozinho.

- Lou, não inventa, por favor. - O irmão disse, se virando para encará-la.

- Eu não vou fazer nada. - Ela disse, sem encará-lo.

- A gente não pode se meter em problemas agora. - Ele completou. - Muito menos com a família do Primeiro Ministro.

- Eu sei, Zac. Eu sei. - Ela respondeu. Mas ainda assim, os olhos tristes dele não saiam de sua mente.

 

#

 

- Você está quieto hoje, Ethan. Está pensando em quem? - O amigo brincou.

- Não sei o nome dela. - Ethan respondeu.

- Então existe alguém! - Ele riu. - Eu acertei!

- Cala a boca, Phill. - Ethan jogou uma almofada nele.

- Mas como assim, você não sai de casa à semanas! - Phillip pressionou. - Não vai me dizer que é uma das suas empregadas.

- Não! - Ethan disse, rindo. - Eu a vi na rua hoje.

- Como ela era? - Phill perguntou.

- Linda. - Ethan disse, fazendo o amigo rir. - É sério! Eu nunca tinha visto ninguém como ela antes.

- Ethan, não me venha com esse papo de amor a primeira vista. Por favor.

- Você não faz ideia do que é isso né, Phillip? Amor? - Ethan perguntou.

- Amém. - Phill respondeu, levantando os braços.

Ethan riu mas voltou o olhar ao teto do quarto, coberto de estrelas que brilhavam no escuro. Era como se elas estivessem ali desde sempre.

- Você viu para onde ela foi? - Phillip perguntou.

- Mais ou menos. - Ele respondeu. - Foi como se ela entrasse na rua daquele hotel velho, em frente ao fliperama.

- Qual fliperama? Aquele que a gente ia quando mais novo?

- É! - Ele disse. - Mas não deu pra ver muito bem… Tinha muita gente.

- Você não está pensando em ir procurá-la, está? - Phillip perguntou.

- Eu não estou pensando em nada. - Ethan retrucou.

- Está sim! - Phillip brigou. - Por favor, Ethan, não faça nada que coloque a gente em risco. Vai saber se ela não faz parte dos baderneiros.

- E se estiver? - Ethan perguntou. - Não é como se isso fizesse dela um alien, Phillip.

- Mas… - Phill começou novamente, mas Ethan se levantou da cama.

- Vocês falam deles como se entendessem o que eles estão fazendo. A gente não faz ideia do que está acontecendo e julga como se soubesse tudo.

- Se seu pai te ouve falando uma coisa dessas, ele mata nós dois.

Ethan bufou. - Eu vou embora. Depois a gente se fala.

E sem dar nem ao menos adeus aos pais de Phill, ele saiu rua afora. Já estava escuro. Deveriam ser umas sete horas da noite. As ruas começavam a esvaziar. O toque de recolher estava sendo mantido. Ele continuava a descer a rua, olhando, porém, para o outro lado da avenida. Talvez ela aparecesse.

Ah, Ethan, ele riu de si mesmo. É lógico que ela não vai estar aqui na rua à essa hora da noite. Atravessou três quarteirões, finalmente passando no mesmo lugar onde esbarrou com ela. Abriu um sorriso, involuntariamente.

O fliperama velho do outro lado da avenida de duas mãos estava fechado - talvez nem mais funcionasse. Olhou para o outro lado e viu uma luz acesa no hotel abandonado. Um ônibus passou, e quando ele olhou de novo, o hotel estava coberto na escuridão. As janelas velhas cobertas de pó pareciam intocadas à décadas. Franziu a testa e se prometeu de voltar ali no dia seguinte. Abraçou o corpo e continuou a caminhar, a cabeça ainda girando em pensamentos.

 

#

 

- Isaac, nunca mais faça isso, está entendendo?! - Louise falava o mais alto que podia com o irmão.

- Desculpe, eu tropecei! Não sabia que o interruptor ainda funcionava! - Ele dizia.

- Eu realmente espero que ninguém tenha notado. - Ela retrucou. - Por precaução, amanhã procuraremos outro abrigo.

- Ah não, Lou! - Ele choramingava. - Eu gosto daqui!

- Vamos falar com o Bob do fliperama ao amanhecer. - Ela disse, firme.

O irmão fungou, deitando em sua cama e se cobrindo com o lençol velho. Ela o beijou na testa.

- Desculpe, Lou. - Ele disse novamente.

- Tudo bem. - Ela disse, a voz mais doce. - Agora dorme. Amanhã será um dia longo.

Ela foi até a janela, fechada. Ainda assim, ela conseguia ver as ruas por entre a madeira velha. Por alguns segundos, foi como se o visse do outro lado da avenida. Encarando o hotel com a testa franzida. Mas estava muito longe e o tráfego era pesado. A visão dela também não era uma das melhores. Um ônibus vermelho de dois andares passou e quando ela olhou novamente, não viu mais nada na calçada.

Respirou fundo, balançando a cabeça. Precisava parar de sonhar acordada e ir dormir de verdade. Estava tendo alucinações já. Por mais que não conseguisse dormir profundamente à anos, conseguira fechar os olhos e relaxar o corpo. Precisava recarregar as energias para o dia seguinte.

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Capítulo 2

Era manhã. Louise não havia conseguido dormir muito bem - ficou assistindo o Sol nascer no horizonte pela janela fechada, sentindo a luz quente atravessar lentamente os buracos na madeira. O silêncio era tão grande que ela conseguia ouvir o próprio coração batendo; uma calma estranha invadindo seu corpo. Era como se seu cérebro tivesse esquecido o que acontecia nas ruas por alguns minutos. Ele só conseguia pensar em uma coisa: nele. Justo no filho do Primeiro Ministro.

Ela ouviu o próprio estômago roncar, a tirando dos pensamentos. Precisava acordar Isaac. Ela realmente não gostava de tirá-lo de seus sonhos - com total certeza eles eram melhores do que a realidade - mas hoje o dia seria longo. Eles sairiam a procura de um novo abrigo, o que poderia soar como algo simples, mas era complicado. O lugar precisava ser seguro, de fácil acesso, confortável, não muito recluso, Isaac precisaria saber usar as trancas e eles tinham de ter acesso à água. Achar um lugar com tais características no meio de uma revolução era quase como procurar uma agulha em um palheiro. Os que haviam, estavam lotados ou fechados por policiais.

- Zac… - A irmã chamou.

Ele se mexeu, grunhindo. - Tá cedo ainda.

- Quanto mais cedo melhor. - Ela disse.

Ele esfregou os olhos, se sentando no colchão. - Vamos procurar abrigo hoje, não é? - Ele questionou.

- Vamos, Zac. - Ela disse, o tom de voz calmo.

Ele não retrucou. Por mais que ele gostasse daquele abrigo, assim como Louise, ele sabia que era o melhor para os dois. Ele também sentia necessidade de proteger sua irmã - ela era a família que lhe havia restado.

Se levantando, Isaac foi até o banheiro logo no final do corredor. Lavou o rosto e se limpou com uma toalha molhada. Vestiu roupas apresentáveis; uma camiseta de banda, calça Jeans e tênis. Voltou até o quarto, onde achou tudo escondido devidamente. Louise era rápida.

- Vem aqui… - Ela o chamou. Quando ele se aproximou, ela começou a arrumar seu cabelo, o fazendo revirar os olhos. - Pronto? - Ela perguntou, quando terminou de colocar os fios ruivos e sujos no lugar.

- Aham. - Ele respondeu.

Assim, eles deram as mãos e saíram do prédio.

Isaac odiava, mas Louise não conseguia sair na rua sem segurar em sua mão. Era como se ele fosse escapar de sua vista à qualquer segundo. Ele se sentia uma criança, mas não dizia nada - não queria chatear sua irmã. Ele a entendia; tudo o que ela queria era o melhor para os dois. Mesmo que seu jeito de fazê-lo fosse meio sufocante.

Eles chegaram à uma lanchonete em poucos minutos de caminhada. Era um lugar conhecido - Bob, do fliperama, costumava tomar café da manhã por ali também. Ele dizia ser por causa das panquecas, mas os irmãos sabiam que era pela garçonete. Joan, era o nome dela. Eles se sentaram na mesma mesa de sempre - afastada das janelas, próximas aos banheiros. Uma garçonete gentil ofereceu o cardápio à eles assim que se acomodaram. Isaac pediu panquecas com um copo de chocolate quente; Louise preferiu uma tigela de cereal com suco de laranja.

- Como hoje vai funcionar, Lou? - Isaac perguntou, dando uma boa garfada em suas panquecas. Louise já havia passado por muitas mudanças de abrigo com seus pais e havia visto de perto o processo de escolha de um novo abrigo, enquanto Isaac, ainda muito novo para entender como funcionava, ficava sempre por fora.

- Primeiro, nós vamos procurar informações com Bob. Ele geralmente sabe de abrigos novos ou desocupados. - Ela explicou, sempre tendo o cuidado de manter o tom de voz baixo e casual, para não chamar atenção. Seu suco de laranja agora acalmava seu estômago que berrava de fome antes.  

- E se ele tiver alguma informação? - Isaac falou, a boca cheia.

- Modos, Zac. - Lou riu. - Nós vamos visitar o lugar. - Disse. - Provavelmente não vamos conseguir achar algo definitivo até o fim da semana.

A senhora que se sentara na mesa ao lado da deles se levantou por poucos minutos. Logo ela estava de volta com o controle da televisão antiga e velha que ficava no canto da lanchonete. Isaac nem se dava conta do que acontecia ao seu redor; tão entretido com a sua comida… Mas Louise não desligava-se completamente do mundo nunca. Ela poderia passar a imagem de completamente surda e cega perante à sua volta, mas no fundo, ela sabia sobre o que todos ao seu redor conversavam.

- A polícia britânica está colocando em prática o último projeto para controle da revolução nesta quarta-feira. Eles estão a procura de abrigos e revoltosos escondidos. Caso você tenha alguma informação, ligue para 632411209. - A âncora do jornal da manhã disse, o tom de voz forte. Todos que estavam na lanchonete começaram a discutir o assunto assim que ela terminou sua fala.

- Finalmente estão fazendo alguma coisa! - Algumas senhoras discutiam algumas mesas à frente.

- Quero ver o que eles vão fazer com as pessoas que eles encontrarem. - Outros rapazes falavam próximos ao balcão.

- Lou… - Isaac respirava fundo, tentando ao seu máximo manter a calma.

- Tá tudo bem. A gente vai se virar, tá? - Ela retrucou, não o deixando completar sua fala.

A cabeça de Louise estava a mil. E se eles fossem descobertos? E se não tivessem tempo de retirar suas coisas do abrigo? Deus, e a foto de seus pais que Louise mantinha embaixo do seu colchão todas as noites? Se a polícia conseguisse colocar as mãos naquilo, eles estavam totalmente ferrados. Ela precisava de um plano. Tentava manter a calma e agir restritamente de modo racional.

Isaac estava assustado. Mais pela irmã do que por si mesmo. Ela não podia perder a cabeça. Ele não sabia o que fazer numa situação como aquela; seu pai nunca havia o ensinado sobre aquilo.

Louise anunciou que estavam indo embora. Isaac deu o último gole no seu chocolate quente e se levantou junto com a irmã, indo até o caixa. Ela pagou em dinheiro, e sorriu educadamente à garçonete de Bob antes de saírem da lanchonete.

- Vamos tirar nossas coisas de lá antes que coisas piores aconteçam. - Louise disse, segurando na mão do irmão enquanto se aproximavam do farol de pedestres para atravessarem a movimentada avenida.

- Vai ficar tudo bem, não é, Lou? - Ele perguntou, assustado.

- Vai sim. - Ela sorriu para ele, apertando sua mão gentilmente. - Isso não é nada, ok? É só uma mudança de planos muito inconveniente.

Ainda um pouco trêmula, mas até que lidando com a situação muito melhor do que esperava que fosse lidar, Louise guiou o caminho de volta ao abrigo. Ela sentia medo mas ao mesmo tempo, sentia confiança em si mesma. Sabia que havia deixado tudo arrumado, pronto para ser agarrado em caso de uma fuga. Sabia que Bob os ajudaria. Sabia que daria tudo certo - podia ser um certo imprevisível, mas ela simplesmente sabia.

A rua, normalmente deserta, parecia um pouco assustadora naquele dia. Ela passou no fliperama, batendo três vezes bem rápido na porta de vidro - era um sinal que havia criado com Bob que significava "me ajuda". Ela ficou de olho na rua, esperando qualquer tipo de sinal de policiais enquanto Isaac entrava no prédio abandonado e pegava todos os seus pertences - que eram poucos, mas ainda assim importantes. Ouviu o barulho de um helicóptero, ainda muito longe. conseguiu ver Bob de longe através do vidro filmado das janelas e portas de vidro do fliperama e correu para o hotel abandonado. Subiu as escadas feito um jato.

- Isaac, eles estão vindo. - Ela disse, agarrando os sacos de pano com roupas, travesseiros e colchonetes enrolados das mãos do irmão.

Ele pegou os últimos pertences de dentro do quarto e eles desceram rapidamente as escadas. A boca da rua dava numa avenida movimentada e muitas pessoas passavam por ali. Precisariam ser cuidadosos ao atravessar à rua até o fliperama ou poderiam ser pegos. Louise pegou a maioria dos pertences das mãos do irmão e sussurrou as instruções para ele.

- Você vai olhar uma última vez para a avenida, quando você ver que tem pouca gente, você vai correr bem rápido até o fliperama. A porta está aberta. Entra e fecha a porta - mas toma cuidado para não trancá-la. Eu estou logo atrás de você, tá bem?

O irmão não respondeu, apenas acenou com a cabeça e respirou fundo.

Ela conseguia ouvir o helicóptero se aproximando e imaginou se haviam policiais na avenida, se estavam muito próximos. Isaac olhou uma última vez para a avenida e disparou em direção ao fliperama. Ela viu que ele havia entrado com facilidade no fliperama, podendo então respirar com um pouco mais de facilidade.

Era sua vez. Ela precisaria ser rápida. Com a quantidade de pertences em suas mãos, qualquer pessoa que a visse, rapidamente chegaria a conclusão de que ela era uma refugiada - e então, todo o seu plano não serviria de nada.

Um grupo de amigos passou na avenida e tudo ficou deserto. Ela fechou os olhos, relaxando por segundos antes de disparar rua adentro. Quando chegou do outro lado da rua, forçou a porta de vidro, que não se moveu. Merda, Isaac!, ela pensou.

Ela bateu três vezes bem rápido na porta, começando a entrar em desespero. conseguia ouvir o helicóptero cada vez mais próximo. Os barulhos da avenida a assustavam. Qualquer pessoa poderia vê-la ali, completamente exposta.

Ela sentia as mãos trêmulas e suadas no puxador da porta de vidro. Ela bateu mais três vezes e antes que pudesse desencostar da porta, ela abriu com força. Louise quase caiu com todos os sacos de pano em mãos, mas se viu de pé com um par de mãos a segurando firmemente pelos braços. A porta de vidro estava novamente fechada, desta vez atrás dela.

- Emperrou. - Ela ouviu alguém dizer de cima dela. Levantou os olhos, sentindo o coração parar por alguns segundos ao pousar o olhar sobre quem a mantinha em pé. - Desculpa.

 

#

 

O coração dele continuava a bater muito rápido e a adrenalina fazia seus dedos formigarem. Ele a soltou, ouvindo-a respirar profundamente e enquanto dava alguns passos para trás, o garotinho a abraçou forte de lado.

- Você está bem, Lou? - Ele perguntou. Ela acenou com a cabeça mas os seus olhos não deixaram os de Ethan.

Ele se apoiou em uma das máquinas do fliperama, deslizando os dedos pela testa, tirando o suor frio que impregnava nela.

- Graças a Deus estão à salvo. - O dono do fliperama apareceu. Eles pareciam uma família. - Quase que o Isaac aqui coloca tudo a perder.

- Não acredita nele, Lou, eu juro que não fiz nada. - O menino retrucou, socando o cara alto de cabelos loiros nas costelas.

Ela riu e se afastou um pouco deles, pegando seus pertences e carregando-os para os fundos do fliperama. Na metade do caminho, um dos sacos caiu, liberando todo seu conteúdo no chão. O dono do fliperama e o garoto estavam entretidos demais para notarem.

- Deixa que eu… - Ethan avançou para ajudá-la a reunir tudo novamente.

- Não. - Ela respondeu. - Não precisa.

Ela estava na defensiva e ele entendia o porquê. Afinal de contas, o seu rosto estava em todos os jornais e todos conheciam seu nome. O filho do Primeiro Ministro.

Ela conseguiu colocar as coisas nos sacos novamente e jogou-os nas costas e seguiu até o final do corredor, colocando-os em cima do balcão do caixa. Ele a assistia enquanto ela se sentava e passava as mãos nos cabelos.

- Bob, quem é aquele ali? - O garoto perguntou, chamando a atenção de Ethan.

- Ah, esse aqui é o Ethan. - O rapaz respondeu. - Ele veio fazer a entrevista pra funcionário.

- Que legal! - O garoto se animou. Chegou perto de Ethan, que ainda encarava a garota sentada no final do corredor. - Oi.

- Oi. - Ethan respondeu, olhando para o menino.

- Meu nome é Isaac. - Ele disse, estendendo a mão, parecendo que realmente tinha mais de 1.50cm de altura.

- Ethan. - Ele respondeu, apertando a mão pequena do menino. Isaac agia como "gente grande", portanto, merecia ser tratado como um.

- Aquela ali é minha irmã, Louise. - Isaac disse, apontando para a irmã. -  Ela não é muito de falar.

Louise. Esse era o nome dela, pensava Ethan.

- Bob. - Ela chamou. - Preciso falar com você.

Bob foi até lá, um pouco apreensivo por conta do tom de voz da garota. Eles foram até um canto mais quieto do fliperama.

- Você já conhece aqui, Ethan? - Isaac perguntou.

- Não, não… - Ethan respondeu. - Quer me mostrar? Você parece conhecer bem o lugar.

- Isso é verdade… - Ele disse. - Tudo bem, eu te mostro, vai.

Ethan riu baixo e seguiu o garoto, que lhe mostrava as máquinas e lhe dizia quais eram os jogos mais legais ali. Ethan tentava ao seu máximo mostrar interesse, mas tudo o que conseguia pensar era na garota. Louise. O nome combinava com ela. Ele não se lembrava dos seus olhos serem tão verdes desde a última vez que ele a vira.

Isaac, entretanto, chamou sua atenção conforme passava em frente à algumas máquinas mais novas. Ele era bom em descrever os jogos - soavam mais interessantes em sua voz do que Ethan sabia que eram. Uma delas era um jogo sobre macacos, mas Isaac falava como se fosse um jogo sobre hierarquia no mundo animal, onde os macacos mais velhos deveriam ser respeitados mesmo quando estavam errados quando finalmente, um macaco mais jovem, muda o jogo e acontece uma guerra civil entre eles. Provavelmente se tratava somente de fazer macacos pularem de galho em galho até chegar no último nível.

O garoto era imaginativo, Ethan conseguia ver isso. E sabia prender a atenção de qualquer um.

 

#

 

- O que aconteceu?! - A voz de Louise era firme, não deixando transparecer o seu medo. Foi assim que sua mãe a ensinou. Ela tinha de passar segurança à Zac e havia se acostumado tanto com aquele tom de voz que não conseguia deixar de usá-lo, mesmo quando não era necessário. Era quase como uma armadura que a protegia de transparecer a sua vulnerabilidade diante de situações complicadas - pois, como ela já aprendera, vulnerabilidade pode ser traduzida como fraqueza e ela não podia ser fraca.

- Eu sei o que você está pensando, esse é o Filho do Primeiro Ministro. Mas… Ele veio visitar a loja. E viu o sinal de funcionário. Disse que gostaria de fazer a entrevista para a vaga.

- Você em momento algum pensou que ele poderia estar sendo seguido? Que você tinha refugiados bem à sua porta? Bob! - Ela chamou sua atenção.

- Eu sei, eu sei… Mas também sei que isso traria atenção ao fliperama e você sabe como negócios andam de mal a pior desde que video-games foram inventados. Ser vintage não te dá dinheiro algum.

- Eu não acredito que você está colocando a nossa segurança em risco por causa de dinheiro, Bob. Achei que era melhor que isso… - Ela disse, se virando para deixá-lo falando sozinho.

- Eu sou! - Ele disse, atraindo sua presença novamente. - Acredite em mim, eu não teria aceitado se não confiasse nele. Eu não sei porque confio, mas… Chame de instinto, se quiser. Mas não vejo perigo nele.

- Bom, eu vejo. - Ela retrucou. - E muito. Esse cara vai colocar tudo o que nós conquistamos aqui à perder só por causa do seu sobrenome.

- Quando vocês bateram na porta, ele não pensou duas vezes, Lou. Eu vi. Ele agiu no instinto, ele correu para a porta no segundo que Isaac chamou por ajuda. - Bob recitava os acontecimentos anteriores do seu ponto de vista. Isso não deveria ter efeito sobre Louise, ela reconhecia. - Ele só quer ajudar.

 

#

 

Isaac estava terminando o que teimava em chamar de "Tour pelo Fliperama", mesmo depois de Ethan apontar que aquele era um péssimo nome. Zac o avisou que havia colocado as máquinas em uma ordem pessoal, onde a última seria a sua favorita. Enquanto caminhavam entre jogos, ele mencionava o quanto Ethan iria gostar quando chegassem na última.

- À quanto tempo você vêm aqui? - Ethan perguntou, de pura curiosidade.

- Uns dois meses… - Ele disse.

- Agora entendo porque você é o profissional do turismo do Fliperama. - Ethan riu.

- Ei, isso aqui é um trabalho sério e respeitável, ok? - Zac entrou na brincadeira, o tom de voz sério. - Ser guia turístico de um local como esse é uma honra.

- Me desculpe se lhe ofendi, senhor. - Ethan fez uma reverência.

- Sem problemas.

E. tentava focar no caminho e nas luzes neons das máquinas, mas seus olhos teimavam em desviar para onde Louise estava. Era impossível não fazê-lo. Ela tinha presença, isso era inegável. Os cabelos cacheados, vermelhos como fogo, a posição defensiva, a voz pesada e seca… Ela era uma guerreira. A cidade a fez crescer mais rápido do que deveria, endureceu seu coração, criou uma armadura em torno da sua forma pequena. Aquilo não era certo.

- Ela gosta de bad boys. - Isaac chamou sua atenção.

- O que?

- Lou. - Ele respondeu, apontando para a irmã com a cabeça. - Ela gosta de bad boys. Então se você realmente quiser chamar a atenção dela, melhor pintar o cabelo de preto e colocar um piercing. É o que minha mãe sempre diz, pelo menos.

Ethan riu alto, atraindo a atenção que não deveria. Quando seus olhos desviaram para checar nela novamente, os dela estavam grudados no dele. Não do jeito que ele gostaria que estivessem, pelo menos. Eram duros, repreendiam a sua ação, a sua existência por completo.

- Nós vamos ser pegos se esse cara continuar aqui. - Ele pode ler seus lábios, os olhos dela não deixaram os dele por nenhum minuto. Ela não se importava que ele ouvisse, que ele soubesse que ela o desprezava. Pelo contrário.

Ethan pediu licença à Zac e caminhou com passos firmes até Louise e Bob, que se calou ao ver a proximidade do garoto.

- Sei que meu pai não é a sua pessoa favorita. - Ele disse, fazendo Louise tremer um pouco com o som da sua voz. - E me desculpe por isso mas… Eu só quero ajudar. Eu prometo.

Ela não respondeu, apenas o encarou firme.

- O que foi, Lou? - Isaac perguntou.

- Nada não, Zac. - Ela sorriu ao irmão, estendendo o braço para que ele a abraçasse de lado.

- Se você quiser eu vou embora. - Ethan disse, sem ter tirado os olhos de Louise por um segundo sequer. 

Ele não entendia muito bem, mas não queria chateá-la ou deixá-la irritada ou desconfortável. Ele só queria ajudar, achara que se o fizesse, talvez ela confiasse nele, talvez ele conseguisse entendê-la melhor.

- Por que você ia querer isso, Lou? - Zac perguntou. - Ethan é legal.

Ela continuava a encará-lo firmemente, sem demonstrar qualquer tipo de emoção. Ele cruzou os braços em frente ao peito e acenou com a cabeça para ela.

- Você que decide. - Ele repetiu.

Bob permanecia em silêncio, pendendo de um lado para o outro, preocupado.

- Deixa ele ficar, Lou! - Isaac pediu, mas ela não o ouviu.

Sua cabeça estava passando por vários cenários, como ela poderia fugir com Isaac dali, caso alguma coisa acontecesse. Em um deles, entretanto, ela podia ver tirando informações sobre a ação da polícia e sobre locais em Londres que ainda não estavam cobertos de seguranças treinados… Talvez ele fosse de alguma utilidade. Ela só precisava conquistar a sua confiança, e de acordo com os olhos dele vidrados nos seus, isso não estava longe de acontecer.

Entretanto, a sua armadura precisava continuar à lhe proteger. Ela não podia se abrir, não podia deixar que ele a atingisse. Aquilo seria suicídio - principalmente porque estávamos falando do filho do Primeiro Ministro, não um garoto qualquer.

- Tanto faz. - Ela deu de ombros, fazendo Isaac sair debaixo do seu braço e abraçar a perna de Ethan, por ser muito pequeno. - O estrago já está feito mesmo.

Zac puxou Ethan pela mão, dizendo que ia continuar a mostrar a ele o resto do fliperama enquanto Bob dizia que ia arrumar um lugar para guardar as coisas dos irmãos. Louise continuou a olhar Ethan mesmo depois que ele já estava longe o suficiente para que ela não conseguisse mais ouvir sua voz conversando com seu irmão.

Ela precisava trazer o assunto "revolução" a tona, de algum modo. Precisava saber o que se passava detrás das portas do gabinete, o que Benjamin Attkins estava pensando, quais eram seus próximos passos. Aquilo era um jogo de batalha naval, mas a bomba poderia estar embaixo de seus pés e ela tinha ali uma bela catapulta, pronta e apontada para a cabeça do seu único inimigo. Ela só precisava atraí-lo do alguma forma.

Isaac terminou o passeio turístico em frente à sua maquina favorita, ensinando Ethan como jogá-la. Ele realmente estava fazendo tudo errado e Isaac ria baixo enquanto Ethan o repreendia por zoá-lo. Ali estava a sua oportunidade. Ele já estava se abrindo para seu irmão, não seria difícil com ela. Jogando o cabelo por cima do ombro, ela respirava fundo, pensando no que dizer.

- Ei, Zac, me ajuda aqui! - Bob gritou do outro lado do fliperama.

- Espera um pouquinho aqui, Ethan. - Ele respondeu, correndo até Bob enquanto reclamava: - Você realmente não consegue viver sem mim, não é, Bob?

- Não, Isaac, não consigo. - Ethan conseguiu ouvir Bob responder, rindo.

Ele continuou tentando jogar o maldito jogo. Entendia então porque aquele era o favorito de Isaac - era de arco e flecha e muito difícil. Provavelmente não para Zac, que disse passar horas ali, tão entretido que nem via o tempo passar. Ethan tentava acertar o alvo, apertando os botões ao lado da máquina mas não estava conseguindo obter muitos bons resultados. Estava tão concentrado que não a ouviu se aproximando.

- Você tem que apertar esse aqui quando estiver um pouco longe, aí o arco vai mais rápido e atinge o alvo. - Ela falou baixo, apertando o botão do lado esquerdo da máquina por cima da mão de Ethan.

Ele assistiu enquanto o arco foi direto ao alvo e a máquina fez um barulho, anunciando que ele havia ganhado o jogo. Ele se virou, vendo-a parada muito perto dele. Seus olhos verdes parcialmente cobertos pela franja já comprida demais.

- Obrigada. - Ele sussurrou, sem perceber que estava falando tão baixo.

Ela respirou fundo, se virando para voltar para o lugar onde ela estava anteriormente.

- Espera. - Ele a chamou. - Eu posso falar com você?

- Já está falando. - Ela respondeu, o fazendo sorrir de lado e abaixar a cabeça.

- A gente pode… Conversar em algum outro lugar? - Ele perguntou, coçando a nuca, uma mania que tinha quando ficava nervoso demais.

Ela sorriu, abaixando a cabeça. Ele pensou que fosse um sorriso envergonhado, mas era um sorriso de vitória. Ela sabia que não precisava muito para encantar um garoto com tantos hormônios assim, mas não imaginou que seria tão fácil.

- Tá. - Ela disse, se virando e caminhando para a parte dos fundos do fliperama. Ethan ficou a assistindo caminhar. - Você não vem?

Ele despertou, a seguindo até a parte de fora do fliperama.

 

#

 

O Sol estava fraco, mas era o suficiente para fazer os olhos dela espremerem, verdes como nunca. Ela se sentou no chão sujo dos fundos do fliperama, cruzando as pernas cobertas de couro falso. Se ele não soubesse que ela era uma guerreira, talvez pensaria que ela nem estava atenta à sua presença pois quando fechou a porta pesada de ferro, ela nem ao menos se moveu. Ele sentia intimidado por ela - e não era a toa, ela era uns 10cm mais baixa que ele e mesmo assim, seria capaz de quebrar seu braço sem nem deixar uma gota de suor cair -, por isso, se sentou à sua frente ao invés de ao seu lado, como gostaria.

- Você sabe o que sobre nós? - Ela perguntou.

- Só que os pais de vocês não estão aqui e Bob está cuidando de vocês. - Ele disse. - E que vocês todos não gostam muito do meu pai.

- É… Não gostar muito é ser legal. - Ela riu. A vendo assim, ele mal podia imaginar o que ela devera estar passando. - Mas é melhor assim.

Ele acenou com a cabeça. Ele não fazia ideia do que era viver em uma constante névoa de medo - e talvez nunca saberia. O melhor que ele poderia fazer era tentar entendê-la, sem invadir o seu espaço - que em uma situação como aquela, não poderia ser muito grande.

- Você… - Ele começou, mas parou na metade do caminho.

- Sim? - Ela pediu.

- Você se importaria em me explicar o que está acontecendo? - Ele recuperou sua voz. - Quer dizer, com o meu pai e tal.

- Você não sabe? - Ela perguntou. Ele ouviu um tom de zombaria saindo naquela frase, mas poderia estar errado.

Ela não acreditava. Como ele não poderia saber o que estava acontecendo? Todo o seu plano começava a ir por água abaixo. De que adiantava seduzir um garoto em contar todos os segredos de Estado quando ele não sabia nenhum?

- Não… Eu não tenho muito acesso, na verdade, acesso algum, ao mundo real, como eu gosto de descrevê-lo.

- Ah… - Ela disse, acenando com a cabeça como ele fizera alguns minutos antes.

Aquilo mudava um pouco as coisas. Ela ficou em silêncio por um tempo, analisando-o. Se ela explicasse para ele a situação, isso não significaria nada não é? Não era se abrir, não era abaixar a guarda, não era aceitar ajuda. Era só… Compartilhar informações básicas. Seria a mesma coisa que ele ligar a televisão.

Ela se lembrava disso enquanto respirava fundo, dando início ao seu discurso. - Bom um jornal chamado The Sun divulgou que houve fraude no Parlamento na eleição do Primeiro Ministro… Seu… Pai…

- Tudo bem, - ele a interrompeu, olhando para baixo, envergonhado. - Não precisa chamá-lo de meu pai. Nem eu mesmo o faço com tanta freqüência…

Ele sentiu os olhos dela si, mas ao levantar a cabeça ela estava focada à frente, a expressão dura.

- Logo depois disso, ele dissolveu o Parlamento e convocou novas eleições, que também foram fraudadas, elegendo somente as pessoas do seu partido. A partir de então, começaram os cortes. O sistema de transportes ficou mais caro porém algumas linhas de ônibus e metrô foram cortadas, a assistência aos produtores de alimentos foi cortada, o que aumentou mais ainda o custo deles nas cidades, os impostos aumentaram até mesmo em cima dos remédios… Enquanto isso, a polícia crescia. Cada vez mais. Depois de pouco tempo, as greves e protestos começaram. Eram em geral nas periferias das grandes cidades. Nem mesmo os maiores jornais souberam sobre elas pois elas foram reprimidas rapidamente pela polícia. Muitos morreram…

A voz dela falhou. Ethan prestava muita atenção ao seu discurso, e sentiu que aquilo era pessoal para ela. - Você… - Ele começou, sem nem reparar que a estava atrapalhando. - Desculpe.

- Não… Pode falar. - Ela disse. Por um momento, ele pensou ter sentido que ela estava aliviada em não ter de completar aquela frase.

- Você conhecia alguém? Quer dizer, que foi… - Ele não conseguia se colocar de forma que não a machucasse. Aquela pergunta, mesmo sendo feita com as palavras mais bonitas, ainda doeria.

O silêncio foi ensurdecedor por algum tempo. Ela estava a tanto tempo sem conversar com ninguém que seu cérebro mal podia esperar para falar sobre aquilo, sobre a dor que a Revolução a causara, sobre as perdas, sobre a solidão… Mas ela sabia que aquilo não era certo. Portanto, foi curta e grossa, objetiva. Puramente informativa.

- Sim. - Ela respondeu. - Conhecia.

Por alguns minutos, ele pensou que ela não continuaria com os fatos e se culpou por não conseguir manter sua curiosidade só para si. Mas ela o surpreendeu - como, ele havia reparando, ela continuava a fazer. - Aos poucos, os protestos iam atingindo mais as cidades grandes. Começou no Norte com Manchester. Depois Oxford, então Brighton e finalmente Londres foi atingida pelo gigante protesto em frente ao Buckingham Palace.

"Com o crescimento da esquerda, o Primeiro Ministro instaurou a censura. Jornais foram fechados, canais de televisão foram proibidos de cobrir os protestos e aos poucos, todo o conteúdo que era mostrado na televisão tinha de passar por uma inspeção cuidadosa. E assim que nasceram os refugiados. Nós corremos da censura, da polícia. Quem desrespeita as regras, quem é visto comandando protestos ou revoltas, é considerado inimigo do Estado. Muitos de nós somos."

- Como vocês fazem para comer? - Ele perguntou.

Ela riu um pouco. Ele tinha perguntas tão simples mesmo com uma situação tão extrema. - Um de nós compra no mercado com o pouco de dinheiro que temos. Mas tem de ser em pouca quantidade pois comida enlatada e que estraga pouco é fiscalizada, pois é geralmente isso que refugiados consomem. É arriscado, mas necessário.

- E como vocês se encontraram no meio de tudo isso? - Ele perguntou. Ela não olhava diretamente para ele, mas finalmente deixou seus olhos caírem sobre o garoto. - Me desculpa… Informação demais. Você está certa. Me desculpa.

Ela simplesmente acenou com a cabeça.

Novamente, o seu cérebro gritava, pedia para que ela se abrisse. Manter aquela armadura tinha seu preço, a solidão era um desses. Os seus pensamentos eram tão altos que a exaustão uma hora chegava. Mas ela os reprimia sempre que apareciam. Ela não podia arriscar perder Isaac e não poderia colocar a segurança deles, já rarefeita, em risco.

Eles ficaram em silêncio por um tempo. Ethan, aceitando toda aquela informação nova. De dentro da mansão, ele não tinha como saber o que realmente estava se passando nas ruas. Era difícil ouvir ela falando sobre decisões que seu pai havia feito e não conseguir reconhecê-lo nas palavras dela. Parecia outra pessoa. Ele se perguntava se não havia criado um personagem em sua cabeça, um super-herói que ficava no lugar de seu verdadeiro pai, por puro medo do abandono.

Louise, pensava no que faria aquela noite. Era tarde. Ela não encontraria outro lugar para dormir, teria de se virar ali mesmo. Pensou no estoque, onde poderia estender um lençol para Zac. Mas entre seus pensamentos, ela foi interrompida:

- Como posso ajudar? - Ele perguntou.

Ela simplesmente riu ao ouvir a pergunta do rapaz. A expressão dele se mantinha séria. - Você está brincando não é?

- Não. - Ele disse, sério. - Por que estaria?

- Talvez porque você é filho da razão pela qual estamos nessa situação?! - Ela disse, o volume de sua voz aumentando. Como ele se atrevia? A pura presença dele ali já era risco o suficiente mas aceitar ajuda dele? Aquilo sim era loucura. Seus pensamentos eram muito altos e o ar parecia rarefeito, mesmo o céu sendo o limite para ela ali. Ataques de pânico eram comuns para um refugiado, isso não significava que ela sabia lidar com eles ou que eles não a dominavam às vezes. Ela se levantou em um salto e abriu a porta pesada, voltando à escuridão e umidade do fliperama.

- E daí?! Isso não significa que eu não queira ajudar. - Ele retrucou, a seguindo para dentro enquanto segurava a porta.

- Nós não precisamos da sua ajuda. - Ela respondeu, se virando para ele. - Você não precisa fingir que se importa conosco. Isso daqui não é nenhuma campanha política. É a nossa vida e a nossa sobrevivência.

- Eu não sou o meu pai, Louise! - Ethan respondeu, a voz bem mais alta, atraindo a atenção de Isaac e Bob. - Por que isso é tão difícil de entender?!

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Capítulo 3

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Capítulo 4

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Capítulo 5

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Capítulo 6

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Capítulo 7

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Capítulo 8

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Capítulo 8

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